“A principal característica da vida é que ela é repleta de eventos que são relatados como uma história”

Hannah Arendt (filósofa e teórica política alemã do século XX)

 

São vários os motivos que afastam os doentes dos profissionais de saúde e, talvez, mais e mais injustificados, aqueles que afastam os profissionais de saúde dos doentes.

Nos últimos anos tem-se assistido a alguma variação na abordagem aos doentes. Na abordagem às pessoas. Por um lado, as faculdades estão mais despertas para a temática e a humanização de cuidados tem sido cada vez mais falada para uma comunicação eficaz e escuta ativa, pois são pontos essenciais para uma melhor abordagem ao doente. No entanto, a burocratização dos processos em saúde e a sobrecarga por outras tarefas tem tendência a que sejamos todos afastados daquele que é o principal foco: a pessoa doente.

A Dra. Rita Charon, internista e docente na Universidade de Columbia, advoga que é a capacidade de ouvir e compreender narrativas que faz com que, quando aliada ao conhecimento científico, consegue centrar a atenção no doente, em seu benefício. Defende ainda que a Medicina desenvolvida com competência narrativa fortalece a habilidade de “reconhecer, absorver, interpretar e atuar nas histórias e dificuldades dos outros”.

Com base nestes pressupostos e por se saber que não se pode descurar o ex-libris da nossa prática diária, a medicina narrativa surge como uma forma de aproximação ao doente, através de competências narrativas que permitem conhecer melhor o doente e perceber o processo da doença e do sofrimento.

Ciente da importância de voltar a centrar os cuidados no doente, cabe-me falar de um projeto que me é muito querido e que surgiu na Unidade Hospitalar de Portimão e posteriormente estendido à de Lagos (Hospital Terras do Infante) – Projeto Humanidades Médicas. Nasceu das mãos (e do coração) do Dr. Juan Rachadell (cirurgião geral) e da Dra. Maria Auxiliadora Pereira (pediatra), agregando tantas outras pessoas, e com o contributo fundamental das Bibliotecas Municipais de Portimão e Lagos, com a doação de múltiplos livros para a constituição de várias pequenas bibliotecas. Assim, as pessoas internadas nos vários serviços, incluindo pediatria, podem utilizar estes livros para se distraírem, para viajarem ou sonharem, em períodos tão difíceis que são os internamentos. Se assim o desejarem e fizer sentido, podem levá-los para casa, e são aceites quaisquer doações, para que este projeto não acabe e seja um contínuo de partilha de histórias, de emoções, de ciência, de saúde e de arte.

Que assentemos a nossa prática cada vez mais na base da medicina narrativa, não só no final mas ao longo de toda a vida. Que tornemos a medicina mais humanística, mais humanizada, mais centrada no doente e na pessoa e não nas doenças e na sobrevivência. Que se promova o bem-estar físico e emocional, baseado não na nossa percepção mas no conhecimento de cada um, de cada pessoa, de cada doente, de cada vida, respeitando sempre o propósito de cada uma dessas histórias e da existência de cada um.