Deve uma autoestrada ter portagens? Depende. “Depende” é uma resposta complicada de dar em política, porque muitas pessoas preferem a assertividade de um sim ou não, especialmente se essa assertividade as beneficiar, mesmo que essa assertividade não seja coerente com o passado.

Alguns serão absolutistas do critério do utilizador-pagador e considerarão que todas as autoestradas devem ter portagens para que não andem alguns a pagar pelas viagens de outros. É um argumento simples e intuitivo. Mas esse argumento levado ao limite poderia significar colocar portagens eletrónicas em todas as estradas do país e não só nas autoestradas. Mesmo as estradas construídas há muitos anos (décadas, séculos) precisam de manutenção recorrente, o que, seguindo o princípio absoluto do utilizador-pagador, deveria ser pago por quem a utiliza. Se o leitor se considerava um absolutista do utilizador-pagador, mas não vê com bons olhos pagar 20 cêntimos cada vez que usa a sua rua, então possivelmente não é tão absolutista como pensava.

Já os absolutistas do tudo grátis, deveriam tentar entender melhor o conceito de “tragédia dos comuns”. No caso das autoestradas, à tragédia dos comuns acrescenta-se o problema de as autoestradas servirem populações muito específicas e não outras. A gratuitidade absoluta determinaria que muitas autoestradas cujo investimento só se justifica nas zonas com mais atividade económica acabassem por ser pagas por pessoas de zonas mais pobres onde o investimento em autoestradas não se justifica. A verdade é que estes absolutistas também são raros. Se fossem predominantes, haveria também um movimento pela abolição de portagens na A1, algo que, tanto quanto sei, não existe.

Não podendo ser absolutistas, entramos no campo de análise do “depende”. Quando dava aulas de Análise de Investimentos Públicos, um dos exemplos mais básicos era a construção de uma autoestrada com e sem portagem. Os alunos da disciplina aprendem rapidamente que a resposta depende de vários factores: a intensidade de utilização, a população servida, a existência de alternativas, a sensibilidade da utilização ao valor da portagem, etc.

As autoestradas têm ainda uma outra característica que torna esta análise custo-benefício importante: são investimentos com grande capacidade fixa, mas cuja procura pode ser variável. Vamos imaginar uma autoestrada com capacidade para 10 mil carros por dia. Com portagem, andam 500 carros, mas sem portagem andam nove mil. Dificilmente neste caso, o melhor para o país é aquela autoestrada ter portagem. Já se a mesma autoestrada tiver nove mil carros com portagem e 15 mil carros sem portagem, dificilmente não será do interesse do país que aquela autoestrada tenha portagem.

Nestes cálculos sobre o valor das portagens entrarão, para além das questões económicas, outros fatores (ambientais e de coesão territorial). A resposta sobre se uma autoestrada deve ter portagens é um grande “depende”, mas a análise não é particularmente difícil de fazer, porque os dados existem e a metodologia é relativamente fácil. Infelizmente, os cálculos que dominam a discussão não são económicos, mas eleitorais. Infelizmente, demasiados eleitores preferem a assertividade e o facilitismo à prudência e ponderação. A memória de 2011 já vai longe o suficiente. Nunca aprendemos.