"Jair Bolsonaro está fazendo isso em câmara lenta, o que a gente está a ver no Brasil é um 06 de janeiro, a invasão do capitólio em câmara lenta", contou à Lusa o professor associado do Instituto de Ensino e Pesquisa do Brasil e doutorado em Direito pela Yale University, nos Estados Unidos.

O ataque à sede do poder legislativo norte-americano ocorrido em 06 de janeiro de 2021 por uma multidão de apoiantes do ex-presidente Donald Trump que pretendiam impedir a confirmação da eleição de Joe Biden, na sequência de Donald Trump ter levantado suspeitas infundadas de que processo eleitoral tinha sido fraudulento.

Este 'ataque à democracia norte-americana' ficou marcado pela morte de cinco pessoas e de mais de uma centena de polícias agredidos.

"Olhamos para o que aconteceu nos Estados Unidos com a invasão do Capitólio e percebemos que estava muito claro, basta juntar os factos, que o Bolsonaro está tomando o que aconteceu lá nos Estados Unidos como um 'blueprint', um plano que ele pode seguir", denunciou o constitucionalista brasileiro.

Foi precisamente o receio de que aconteça o mesmo no Brasil, que em outubro terá eleições presidenciais, altamente polarizadas entre o atual Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, e o ex-presidente Lula da Silva, que levou Diego Werneck Arguelhes e mais de 80 professores e juristas brasileiros a enviarem a carta ao relator especial para a Independência de Juízes e Advogados da ONU, Diego Garcia.

"Somos um grupo de académicos, de direito, nós não somos ativistas, nem políticos", frisou.

Para o constitucionalista, o risco de acontecer algo mais grave após as eleições presidenciais no Brasil é maior do que o que aconteceu nos Estado Unidos já que, Bolsonaro, começou a plantar o discurso "de fraude nas eleições há muito tempo", desde as eleições que ele próprio venceu, em 2018.

"Ele já disse várias vezes que o resultado que não reflita a vitória dele vai ser suspeito", lembrou Diego Werneck Arguelhes.

"Já faz parte da base de apoio dele essa desconfiança em relação às urnas, mesmo que isso não faça sentido alguma e que não existam evidências", considerou.

Para além disso, denunciou, as ações de Bolsonaro para minar o processo eleitoral têm "conivência de várias instituições" como a Câmara dos Deputados, que nunca iniciou um processo de impeachment (como aconteceu nos Estados Unidos com Trump) e até por parte da Procuradoria-geral da República por não investigar atos de Bolsonaro passiveis de crime.

"Trump chegou a sofrer um processo de impeachment (...) no Brasil o Bolsonaro não teve nenhum início de processo contra ele, a mensagem que ele recebeu da Procuradoria-Geral da República é de que ele pode minar a justiça eleitoral, semear a desconfiança nas eleições sem que isso gere um problema para ele", acusou.

Em paralelo, para além de insistir que o sistema de votação eletrónica do país não é confiável, Bolsonaro tem intensificado os ataques a magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF) e tem dito que não respeitará determinadas decisões judiciais, em especial do juiz Alexandre de Morais, que será o presidente do Tribunal Superior Eleitoral durante as eleições presidenciais do Brasil.

Em abril, Bolsonaro reverteu a condenação, através de um indulto presidencial, do congressista de extrema-direita Daniel Silveira, condenado a oito anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pelas suas ameaças às instituições democráticas.

A acrescentar, tem acusado repetidamente membros da autoridade eleitoral de favorecer o seu principal rival, Luiz Inácio Lula.

"Nos últimos meses ficou claro que o Governo tem um plano em andamento, que é minar a confiança nas eleições e no judiciário" e de "intimidar os juízes", afirmou Diego Werneck Arguelhes.

De acordo com o Constitucionalista, Bolsonaro é um "Presidente que quer remover limites ao seu poder" e é um homem "hostil à ideia de que o poder dele é limitado por qualquer outra instituição".

Nas últimas semanas os ataques do Presidente brasileiro à segurança do processo eleitoral têm aumento, tendo Bolsonaro pedido, repetidamente, a participação de militares no apuramento dos votos nas eleições que decorrerão em outubro.

"Infelizmente o setor das forças armadas que está no Governo tem endossado, isso não existe nos Estados Unidos", disse Diego Werneck Arguelhes.

Voltando às comparações com o que aconteceu no dia 06 de janeiro de 2021 nos Estados Unidos, o constitucionalista brasileiro considerou ter sido "um estrago sem precedentes da democracia americana, mas não foi tão grave como poderia ser".

No Brasil, insistiu, "esse estrago poderá ser muito maior".

"Esse estrago, o Bolsonaro já conseguiu fazer, conseguiu meter em dúvida a questão: Será que as forças armadas e o Presidente aceitariam um resultado desfavorável?", concluiu.

De acordo com as últimas sondagens, Lula da Silva aumentou a diferença para Jair Bolsonaro. O candidato do PT tem 48% das intenções de voto e Bolsonaro, candidato do Partido Liberal (PL), te 27%.

Para vencer à primeira volta é necessário mais de 50% dos votos.

MIM // PJA

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