O Senhor dos Anéis

Os dinossauros ainda eram a espécie dominante quando o ‘buraco’  que se vê na imagem foi criado por um meteorito que atingiu a Terra, há menos de 70 milhões de anos. Uma marca (vítima de enorme erosão, entretanto) que ainda hoje subsiste sob a forma de uma cratera com 3,5 quilómetros de diâmetro.

Cratera de Ouarkziz
Copernicus Sentinel / ESA

Hoje em dia, a região do globo onde o bólide celeste se espatifou contra o nosso planeta faz parte da cordilheira do Anti-Atlas — ligada à bem maior cordilheira do Atlas —, situada na fronteira entre Marrocos e a Argélia, uma região montanhosa com quase 700 quilómetros de comprimento que se estica desde o Oceano Atlântico (vai de sudeste para noroeste) e que tem o deserto do Saara logo a sul. A cratera, batizada de Ouarkziz, fica na zona argelina.

O ponto mais alto do Anti-Atlas eleva-se a 3,3 quilómetros acima do nível da água, mas os geólogos acreditam que, algures no passado, a cordilheira, que tem centenas de milhares de anos e é fruto da colisão de placas continentais, chegou a ser mais alta que os Himalaias: situada na Ásia, hoje em dia tem mais de meia centena de montanhas com uma altura superior a 7,2 quilómetros, pelo que não é à toa que lhe chamam o ‘teto do mundo’.

O que se passou para o Anti-Atlas ter baixado de altura de forma tão drástica, como se lhe tivessem dado uma valente martelada? O mesmo que aconteceu com a cratera de Ouarkziz. Ou seja, foi vítima da erosão ao longo de milhões de anos. O aventureiro que quiser visitar o local vai deparar-se com um cenário seco e árido, onde nada cresce, pois as suas montanhas fazem parte da zona climática do Saara. Não obstante, é possível ver marcas de canais, provocadas pela água que ocasionalmente por ali cai e escorre ou criadas noutras épocas remotas, quando o clima era mais húmido: o clima do Saara, nas últimas centenas de milhares de anos, variou entre o húmido e o seco, e onde antes existia verde hoje só se vê deserto, especulando-se que o ciclo possa voltar a inverter-se daqui a milhares de anos.

“Que o céu não nos caia na cabeça!”

Este é um dos maiores medos da aldeia gaulesa onde vivem Astérix e Obélix, na banda desenhada criada por Albert Uderzo e René Goscinny, ao ponto de parecer um receio totalmente descabido e tolo. Ou, se calhar, nem por isso…

Cratera de Roter Kamm
Copernicus Sentinel / ESA

“Os meteoritos e os asteroides influenciaram o desenvolvimento da Terra, como pode ser visto pelos milhões de crateras de impacto que cicatrizam o nosso mundo”, explica a Agência Espacial Europeia (ESA). O evento que teve lugar a 30 de junho de 1908 em Tunguska, na Sibéria, quando um meteoro de cem metros desintegrou-se na atmosfera terrestre e, literalmente, arrasou e aplanou tudo o que existia numa área com pouco mais de dois mil quilómetros quadrados, ficou registado na história recente como o acontecimento do género mais catastrófico. Felizmente, ocorreu em plena taiga siberiana e ficou-se pelo derrube e destruição de 80 milhões de árvores, sem atingir uma grande metrópole. A título de comparação, a atual região da Grande Lisboa, com quase três milhões de pessoas, estica-se por três mil quilómetros quadrados. Naquele dia, os seres humanos tiveram muita sorte.

O perigo é bastante real e atual, de tal forma que uma das missões de agências espaciais como a ESA ou a NASA (Estados Unidos) é a de detetar e a analisar asteroides cujas órbitas os aproximam da Terra e com potencial para nos atingir. Ao todo, e segundo a ESA, estima-se que existam 40 milhões de “objetos próximos da Terra”, como são conhecidos, a viajar pelo espaço e com mais de dez metros — o tamanho limite a partir do qual podem chocar contra a superfície terrestre e causar sérios danos.

A cratera de Roter Kamm, no deserto da Namíbia (na imagem, à esquerda, pouco abaixo do centro), formou-se há cinco milhões de anos quando um meteorito do tamanho de um carro grande colidiu com a Terra. Um aviso para os terráqueos. Mesmo ao fim de tanto tempo, sobrou uma cratera com 2,5 quilómetros de diâmetro, 130 metros de profundidade e com cristas que se erguem entre os 40 e os 90 metros (em relação à superfície envolvente), sendo perfeitamente visível entre as dunas do deserto e apesar de estar coberta por depósitos de areia que chegam aos 100 metros de espessura.

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Só os deuses conseguem aqui viver

Parece um quadro que brotou da mão de um pintor impressionista, mas este cenário é bem real e mostra a bacia de Tanezrouft, bem longe das idílicas paisagens europeias que influenciaram os artistas deste movimento artístico.

Bacia de Tanezrouft
Copernicus Sentinel / ESA

O seu nome é sinónimo de uma das regiões mais inóspitas do Saara, encaixada entre o sul da Argélia e o norte do Mali, conhecida pela sua implacável hiperaridez e temperaturas infernais. Encontrar água ou vegetação em Tanezrouft é o mesmo que dar de caras com um milagre concedido pelos deuses, daí que só os nómadas tuaregues se atrevam a ficar por algum tempo na ‘Terra do Terror’, epíteto que encaixou que nem uma luva ao longo dos tempos.

Afinal, o que salta à vista nesta imagem, que mais parece estar borrada, tirada do espaço? Sinais de erosão, provocados no passado pela água, quando o clima do deserto do Saara atravessou um ciclo de maior humidade, mas também causados pelas frequentes tempestades de areia que assolam o local, criando nas rochas do período paleozoico (formadas há entre 570 e 245 milhões de anos) os padrões de dobra que se podem ver.

Mais especificamente. A região é caracterizada por montes em arenito negro, desfiladeiros ingremes, salinas (a branco), planaltos de pedra e ‘mares’ compostos por diferentes dunas encavalitadas umas em cima das outras, explica a ESA. À esquerda, na fotografia tirada pela missão Sentinel-2, encontramos anéis concêntricos de estratos de arenito que ficaram expostos devido aos efeitos de erosão.

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Muita areia, milhões de pessoas e tanto petróleo num espaço tão pequeno

A 2 de agosto de 1990, a República do Iraque, país liderado pelo ditador Saddam Hussein, invadiu, a sul, o pequeno e vizinho Estado do Kuwait (um emirado que, ainda hoje, é controlado de forma autocrática por uma monarquia). Em apenas dois dias, cerca de cem mil soldados iraquianos submeteram facilmente a nação que, atualmente, possui a sétima maior reserva de petróleo do mundo — equivalente a 6% do total.

Kuwait
Copernicus Sentinel / ESA

Assim teve início a Primeira Guerra do Golfo, que envolveu uma coligação de 35 países, liderados pelos EUA, para libertar o Kuwait do jugo iraquiano. O conflito chegou ao fim a 28 de fevereiro de 1991, após as forças aliadas terem rechaçado e destroçado as forças iraquianas, chegando a perseguir o exército em fuga para além da fronteira entre os dois países, ao ponto de ficarem a uns meros 250 quilómetros de Bagdade — o cessar-fogo travou a investida comandada pelos EUA. No fim, dezenas de milhares de soldados de Saddam pereceram em batalha (contra cerca de três centenas das forças aliadas), outras largas dezenas de milhares foram capturados e os três ramos das forças armadas do Iraque ficarem severamente coxos: a maior parte dos tanques, artilharia, aviação e navios foram destruídos, impotentes contra a total superioridade do adversário.

Tudo por causa de uma nação que, como se vê na imagem, é um dos mais pequenos do mundo, com 17.800 quilómetros quadrados, chegando a medir 200 quilómetros de norte a sul e outros 170 de oeste a leste. Uma das suas vulnerabilidades é que o ponto mais alto do emirado está a apenas 300 metros acima do nível do mar. Em suma, o seu território, os habitantes, os campos agrícolas e as infraestruturas que disponibilizam a sua grande matéria-prima (o petróleo) correm riscos face às alterações climáticas ou outros fenómenos naturais.

À direita vê-se a malha urbana da Cidade do Kuwait, a capital, situada junto à Bacia do Kuwait. É aqui que vive a esmagadora maioria dos 4,5 milhões de habitantes da nação, tornando-a numa das mais urbanizadas do globo.

As várias tonalidades da baía, explica a ESA, são provocadas pelo vento em combinação com a reflecção da luz solar nas águas. Uma linha corta ao meio, de norte para sul, estas águas: é a ponte Xeique Jaber Al-Ahmad Al-Sabah, a quarta maior do mundo, com 36 quilómetros.

Em redor da capital, o enorme, plano e arenoso Deserto da Arábia. Basicamente, a maior parte do país só tem areia à superfície. Na época seca, entre abril e setembro, a temperatura no deserto pode chegar aos 45 graus Celsius, ou, em períodos mais severos, ultrapassar os 50 graus Celsius. Faz pensar como é que alguém é capaz de viver, quanto mais empreender uma guerra, em condições tão infernais: os mais pragmáticos apontam o dedo, obviamente, à enorme riqueza que são as reservas de ouro negro do país.

Aliás, a sul da capital ergue-se o complexo de Great Burgan, o segundo maior campo petrolífero do mundo, com a sua extensa e intrincada rede de estradas.

E não há um oásis no meio de tudo isto? Mesmo ao centro, pouco abaixo da bacia e da malha urbana, temos Al-Jahra, sob a forma de círculos verdes, a principal região agrícola do Kuwait.

Ferrari e golfinhos na Veneza do Golfo Pérsico

Abu Dhabi, um dos sete emirados que compõem os Emirados Árabes Unidos (EAU), estica-se por 67 mil quilómetros quadrados, na Península Arábica. Todavia, apesar de perfazer 87% do total da superfície terrestre do país que integra, está fragmentada ao longo de quase 200 ilhas situadas no Golfo Pérsico, esticando-se por uma linha costeira de 700 quilómetros. Daí a importância de monitorizar, regularmente, a evolução da sua costa.

Abu Dhabi
Copernicus Sentinel / ESA

No subsolo dos EAU está 9% da reserva mundial de petróleo, a esmagadora maioria em Abu Dhabi. Três milhões de pessoas vivem nesta zona do globo, sendo que metade está na cidade-ilha (ao centro, na imagem) que dá nome ao emirado: serve como capital dos EAU e é a segunda urbe mais populosa da nação, logo a seguir à cidade do Dubai.

Uma das maiores riquezas naturais do emirado, ignorando o famigerado petróleo, é o golfinho-corcunda-indopacífico que vive nas suas águas, estimando-se que exista aí a maior população do mundo desta espécie de mamíferos. As diferentes tonalidades da cor azul marinho, que vemos nesta foto tirada do espaço, devem-se à claridade das águas rasas que contrastam com as águas mais profundas e escuras.

Do lado direito, ao centro, na ilha de Yas, destaca-se um enigmático triângulo vermelho, um símbolo da opulência em que vive a elite deste emirado e da que por ali passa em negócios. Trata-se do Mundo Ferrari, o maior parque temático fechado do planeta, com 86 mil metros quadrados (o equivalente a 12 campos de futebol) e cheio de referências à luxuosa escuderia italiana. A Formula Rossa, uma montanha-russa de dois quilómetros, encontra-se neste parque, sendo conhecida por ser a estrutura do género onde se atinge a maior velocidade por hora: 240 quilómetros, velocidade que pode ser atingida em apenas cinco segundos.

Uma trágica aquarela feita a lama e água

A chuva forte e contínua despoletou, em janeiro de 2020, enormes inundações nas províncias meridionais do Irão, um dilúvio que bloqueou estradas e destruiu pontes, casas e campos agrícolas, obrigando milhares de pessoas a fugirem das zonas afetadas.

Cheias no Sul do Irão em Janeiro de 2020
Copernicus Sentinel / ESA

A fotografia, captada a 13 de janeiro desse ano pela missão Sentinel-2, retrata bem a extensão da catástrofe que atingiu  aprovíncia de Sistão-Baluchistão (sudoeste). As áreas inundadas são perfeitamente distinguíveis a castanho claro, estando assinaladas com círculos e elipses brancas as zonas habitadas que foram atingidas. Uma enorme torrente suja de sedimentos e lama pode ser vista a deslizar pelo rio Bahu Kalat, no Irão (esquerda), e pelo rio Dasht, no Paquistão (direita), levando tudo o que encontra em direção à Baía de Gwadar — a própria baía parece uma tela pintada a aquarela.

Vamos ao que mais interessa. Esta imagem foi obtida porque, face à inundação e tragédia que estava a ocorrer neste canto do globo, o Serviço de Mapeamento de Emergência do programa Copernicus foi ativado, o qual possibilita obter visualizações por satélite capazes de, em caso de desastre, ajudar as autoridades de proteção civil locais ou a comunidade internacional a dar uma resposta adequada ao problema. Faz toda a diferença, portanto, ter lá em cima, na órbita terrestre, olhos de águia capazes de seguir e monitorizar as mudanças e eventos naturais que nos afetam, cá em baixo.

No canto inferior esquerdo da fotografia surge uma régua que dá um exemplo da escala a que tudo se desenrolou. Se quiser fazer zoom na imagem e ver em grande resolução cada ponto da mesma, basta clicar aqui.