"Estamos a dar-nos conta de como nos afastámos dos nossos objetivos", declarou em entrevista à Lusa Óscar Monteiro, dirigente do partido na luta de libertação e depois da independência e Moçambique, em 1975, e que depois desempenhou vários cargos como ministro, na Presidência, Informação, Administração Estatal e Interior.

"Cada vez mais estamos a sentir que há alguma coisa que não funcionou", avalia Óscar Monteiro, referindo que "há um fator de humanização do capitalismo que desapareceu e que levou à contração da riqueza".

Este não é um problema só de Moçambique, "é de todo o mundo", enfatizou o jurista, abordando a forma como Moçambique evoluiu de um "socialismo na sua forma mais pura" para o capitalismo, "com menos entusiasmo, muita pressa e sem se pensar em todas as consequências".

"Historicamente, o que eram os padres e as freiras senão uma forma de contribuir para o bem comum?", questiona Óscar Monteiro, acrescentando que "houve um desenvolvimento enviesado do capitalismo, sem mecanismos corretivos" e que "paralelamente a sociedade não desenvolveu um novo sistema mais sofisticado de padres e freiras".

Segundo o ex-dirigente da Frelimo, "não se tem dado tempo e reflexão" à questão de como conciliar justiça e igualdade social nem à própria forma como se evoluiu para um capitalismo financeiro, de grande acumulação de riqueza e sem "mecanismos para garantir que os outros também avancem".

"Durante algum tempo, pensámos que o progresso geral, por exemplo o Sete Milhões (programa governamental de crédito às comunidades rurais, criado pelo ex-Presidente Armando Guebuza), era para acabar com a pobreza no campo", assinalou, mas, "a despeito das boas intenções, o local onde o dinheiro foi colocado não era o certo".

Óscar Monteiro recorda que o Sete Milhões levou pão a um certo distrito, o que parecia uma boa notícia até se descobrir que os camponeses mantinham a mesma dieta por falta de dinheiro, o que revelava uma falha da imagem do pensamento urbano.

"O desenvolvimento tem de ser visto a partir do que as pessoas desejam", defendeu, assumindo que este "é um problema não resolvido" e que a Frelimo está consciente de que "as distâncias aumentaram muito mais do que se pensava".

Além de "uma diferença grande e crescente entre os que têm e não têm", existe sobretudo "o facto de que os que não têm não terem o suficiente", nem um mecanismo compensatório, como um rendimento mínimo garantido para "comprar a paz social".

Em Moçambique também há apoios aos mais pobres e aos idosos, "mas em certos momentos uma conjugação de fatores leva à perceção de que só alguns é que têm e em alguns casos é fundamentada", referiu, acreditando que "ainda é possível" produzir um sistema "mais regulado e humanizado".

Óscar Monteiro discorda de que as assimetrias sociais em Moçambique têm uma base regional, entre norte e sul, observando que foi governador na província em Gaza (junto da província de Maputo) e que, numa visita recente, ficou "chocado porque está tudo na mesma".

O antigo ministro da Administração Estatal é a favor de mais descentralização, uma vez que "há caminhos abertos para uma maior participação e que estão dentro da Constituição", além de "pessoas capazes para tomar boas escolhas e mais próximas".

"Defendo modelos simples em que as pessoas que querem resolver os seus problemas, usando a sua iniciativa, podem organizar-se e beneficiar de alguns recursos do Estado", sustentou.

Há aliás o precedente das assembleias do povo, em que, "apesar de "muita retórica socialista e popular, era uma boa ideia", mas afetada pelo erro de não se atribuir meios financeiros. "Bastava um bocadinho para potenciar aquela grande vontade de participar", frisou.

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