A idolatria da estupidez

A internet deu mais informação mas não trouxe mais conhecimento. E hoje proliferam “fake news”, pós-verdade e factos alternativos com a imprensa a perder muito do seu poder e independência.

O custo do bom jornalismo é caro, as receitas publicitárias diminuíram e compram-se menos jornais. É um facto sem qualquer discussão. O problema é como as empresas ligadas aos media estão a tentar ir em frente. Muitas prostituíram-se ao fácil, à polémica de vão de escada que excita a morbidez das audiências como um qualquer “voyeur” que saliva perante um objecto de desejo. A bizarria sobrepôs-se à qualidade e a vacuidade impôs-se à substância.

Depois, as redes sociais que conquistaram o seu lugar e os motores de busca e agregadores que roubaram conteúdos sem pagar devidamente a quem os realiza de maneira profissional e que levaram a que a indústria ainda não se tivesse adaptado convenientemente. E, acima de tudo, um público, leitores, que se habituaram a consumir informação de maneira gratuita e que, provavelmente, não volta a gastar um cêntimo a comprar papel. Um caldo difícil de contornar para uma profissão que é das mais bonitas do mundo e, porventura, das mais necessárias a uma sociedade que se encontra num regime de quase faroeste em que o barulho e a ignorância substituíram a racionalidade e o pensamento claro. Sim, a internet deu mais informação mas não trouxe mais conhecimento. E hoje proliferam “fake news”, pós-verdade e factos alternativos com a imprensa a perder muito do seu poder e independência.

Numa entrevista de há uns anos ao “El Mundo”, Mario Vargas Llosa sibilava: «o jornalismo, que para mim foi muito útil, sofre agora uma deformação monstruosa: o “amarelismo”. A obsessão pelo escândalo converteu-se numa forma mais de entreter que de informar. De entreter através do espectacular, do chamativo, do escandaloso e, muitas vezes, se não têm informações com essas características, fabricam-se. Há gente que vive disso e que goza com isso, mas eu creio que isso é uma depravação do jornalismo do nosso tempo». Vivemos tempos estranhos, uma sociedade já não fascinada pelos media, mas obcecada por “likes” e seguidores. Em vez de observar e pensar, assiste-se à tirania de ser visto e uma “selfie” é um reforço de uma vã identidade.

Parece que coabitamos num “reality show” onde tudo é comentado e como dizia Arturo Perez-Reverte, «a internet é o triunfo da estupidez. O seu problema é que não discrimina e ao lado de um pensamento de Umberto Eco ou Vargas Llosa encontras uma tonteria de um analfabeto que compete nesse espaço com eles». Porém, quero salientar que não sou dos que vêem todo o mal do mundo na internet. Há muitas coisas positivas, uma maior proximidade, a rapidez do ciclo de uma notícia que leva a que hoje uma crise seja muito mais passageira até ao momento em que novo “trend-topic” dispara e a democratização do acesso à notícia. O busílis da questão reside em qualquer pessoa se fechar neste aquário. Devemos procurar fontes e protagonistas que nos ajudem a conhecer melhor as questões e a compreender com profundidade os temas que nos interessam e isso depende da liberdade de cada um.

Todos sabemos é que na ânsia de conseguir cliques, leitores ou audiências, os media têm caído no abismo de dar espaço a verdadeiras nulidades e não nos podemos esquecer que sem criaturas no palco não há público a assistir. Hoje, celebra-se sem vergonha a mediocridade e a superficialidade, qualquer grunho que berre mais alto ou solte enormes alarvidades é o novo xerife numa terra sem rei nem roque. Esses, esquecem-se que se criam com imensa rapidez ídolos com frágeis pés-de-barro, que do clímax do triunfo passam ao ocaso após o apedrejamento nas redes sociais no tempo em que o Diabo esfrega um olho. É tempo de dar mais antena a quem tem valor, carreira, mérito, a histórias empáticas que sirvam de exemplo e galvanizem a comunidade. A idolatria da estupidez tem de acabar.

Nota: O autor não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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