Falando numa palestra intitulada "transparência dos processos eleitorais como fator de estabilidade em Angola", dirigida aos deputados da Assembleia da República portuguesa, Isaías Samakuva disse que a recente proposta apresentada pelo chefe de Estado angolano "atribui a si próprio as competências de organizar o registo eleitoral, decidindo, portanto, quem vota e quem, não vota".

"Ele pretende construir uma nova base de dados do registo eleitoral para ser utilizada nas eleições gerais de 2017. Esta nova base deverá excluir os angolanos residentes no estrangeiro e deverá manter ativos por um período de 20 anos o registo dos cidadãos já falecidos", denunciou o presidente do principal partido da oposição angolana na quarta-feira à noite, em Lisboa.

No início do ano, a Assembleia Nacional de Angola aprovou uma nova lei do registo eleitoral apresentada pelo Governo de Luanda, apenas com os votos favoráveis do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido no poder e liderado por José Eduardo dos Santos, mas rejeitada por quatro grupos parlamentares que compõem o Parlamento angolano.

A proposta de lei estabelece também uma limitação no exercício de voto para cidadãos que se encontrem no exterior por todas as situações de temporalidade e exclui por completo a participação dos cidadãos que residem permanentemente no estrangeiro.

A UNITA entende que esta norma entra em contradição com três princípios e uma regra da própria Constituição angolana: o princípio de soberania popular, que dá direito ao voto, princípio de igualdade e o da universalidade.

Por isso, o maior partido da oposição angolana, que sempre defendeu voto na diáspora, anunciou que vai pedir a interpretação desta norma ao Tribunal Constitucional visando permitir a participação dos cidadãos angolanos residentes no estrangeiro nas eleições gerais de 2017.

Em 2005, o Tribunal Supremo deu razão à UNITA em relação a mesma matéria, contudo, "o MPLA nunca cumpriu o Acórdão do Tribunal Supremo e tem violado a lei desde então", acusou a jurista e deputada da UNITA Mihaela Webba, que interveio no debate a pedido de Isaías Samakuva.

Na sua intervenção, o presidente da UNITA considerou que "além de inconstitucional, a proposta de lei do executivo ofende o princípio de transparência e propicia a estruturação da fraude eleitoral, porque não permite a fiscalização de dados que o Presidente da República criar".

"O Presidente da República quer deter novamente o controlo da base de dados do registo eleitoral" para as eleições gerais de 2017, pelo que "a proposta de lei do Presidente angolano constitui uma tentativa subtil de alterar a ordem constitucional para permitir o exercício monárquico do poder republicano", afirmou Isaías Samakuva.

Perante deputados do PS e PSD, que o convidaram para dar a palestra sobre a situação sociopolítica angolana, Isaías Samakuva lembrou que "este tipo de comportamento esteve na origem dos conflitos na Costa do Marfim, Burquina Faso e, mais recentemente, na República Democrática do Congo", e "poderá também perigar a estabilidade em Angola".

Isaías Samakuva avisou que "Angola já não tem condições para suportar uma nova fraude", uma vez que, dos três processos que organizou desde a proclamação da sua independência, "nenhum deles foi transparente".

"Face a esta realidade, preocupa-nos imenso constatar que, especialmente a camada mais jovem, por todos os cantos do país por onde passamos, transmite-nos a mensagem de que os angolanos estão cansados e que já não vão suportar mais uma nova fraude", disse o líder da UNITA.

MMT // PJA

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