Díli, 30 nov (Lusa) - O radicalismo foi necessário para dar força e disciplinar a luta timorense contra a ocupação indonésia, já que adotar uma postura mais flexível teria enfraquecido a capacidade da resistência, disse à Lusa o presidente da Fretilin.

Na entrevista à Lusa, o ex-presidente do Parlamento Nacional - que passou toda a ocupação indonésia no mato integrado nas Falintil, o braço armado da resistência - recordou que o mundo "estava dividido em dois" e que era necessário fazer escolhas.

"O radicalismo era necessário para dar força, para lutar contra a Indonésia. Qualquer luta de libertação nacional tinha de fazer escolhas", disse, considerando que o mais importante era defender a independência que foi proclamada pela Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin) em 28 de novembro de 1975.

"E então temos que radicalizar, digo radicalizar entre aspas. O mais importante é tomar posições duras em relação a uma guerra que estava a ser imposta ao povo timorense. Se nós optássemos por uma posição mais flexível, dificilmente conseguiríamos chegar a essa vitória que conseguimos", explicou.

Lu-Olo, 60 anos, que como presidente da Assembleia Constituinte proclamou, a 20 de maio de 2002 a restauração da independência timorense, insiste que esse radicalismo "trouxe disciplina e orientou de certa forma a conduta do povo do Timor-Leste" para "oferecer resistência contra a ocupação militar indonésia".

Mas a desigualdade de forças tornou a luta contra a Indonésia "realmente complicada", com os guerrilheiros timorenses a verem ser destruídas, "uma por uma", as bolsas de resistência criadas nos primeiros anos da guerra, recordou.

Uma situação que levou a resistência a alterar, por duas vezes a sua forma de atuar, passando de uma guerra convencional, de posição - nos primeiros anos da ocupação indonésia, que começou a 07 de dezembro de 1975 - para a guerrilha e depois para a guerrilha urbana.

Lu-Olo recorda o ataque cerrado que a Indonésia fez às "bolsas de resistência" que a Fretilin montou, com a população que levou para o interior.

"Estava dividido em vários sectores e as forças estavam enquadradas dentro dessa divisão territorial a oferecer resistência, juntamente com a população. Posso dizer que o guerrilheiro que estava a combater as forças indonésias levava o seu filho e a sua esposa. Tínhamos que fazer esse tipo de guerra para defender a nossa posição e não deixar a nossa população cair nas mãos do inimigo", recordou.

"Havia também um motivo político, porque a indonésia na altura controlava 5% da população, na altura. 95% da população estava nas montanhas com a Fretilin a oferecer resistência. O que a Indonésia queria era apanhar o maior número da população possível para dizer ao mundo a integração era um facto consumado, que a população tinha escolhido livremente, sem pressão nenhuma a integração de Timor-Leste na Indonésia", afirmou.

As várias bolsas de resistência (fonteira norte e sul, centro norte e sul e leste) foram destruídas "uma por uma pelo inimigo até à ponta leste" onde os guerrilheiros timorenses tentaram até ao último momento resistir aos ataques constantes.

"Na altura os bombardeamentos eram intensos e por dia morriam quase 200 civis. Já não estávamos a aguentar essa situação e tivemos de romper com o cerco", recordou.

A situação tornou-se insustentável e as Falintil, braço armado primeiro da Fretilin e posteriormente de toda a resistência, tiveram que mudar de estratégia, "entregando" a população e passando para "a guerrilha propriamente dita".

"Foi muito complicado realmente. Nós não tínhamos nenhum apoio militar de nenhum país. Estou a falar de apoio militar, não do apoio político e moral que tínhamos de vários países, designadamente de Portugal. Mas apoio militar nunca houve", insiste.

No arranque da resistência as Falintil contavam com as armas deixadas pelos portugueses, "metralhadores, morteiros, G3 mas rapidamente esse material se tornou insuficiente, com muitas deterioradas ou inutilizadas por falta de munições.

"Portanto, no plano militar só tínhamos uma solução. A única maneira de conservar as nossas próprias forças era aniquilar o inimigo em cada combate, capturar as suas armas e munições para continuar a resistir", afirmou.

Quanto a Indonésia invadiu Timor-Leste, a 07 de dezembro de 1975, 10 dias depois da proclamação unilateral da independência, Lu-Olo estava já no mato, na região de Ossú - integrado no pelotão comandado por Lino Olokassa, no Monte Perdido.

Tornou-se um dos poucos guerrilheiros timorenses que passou toda a ocupação indonésia no mato, integrado nas Falintil, o braço armado da resistência timorense, descendo "à vila" em raras ocasiões até à saída do último soldado indonésio em outubro de 1999.

"Fui muito jovem para as montanhas, nessa altura com 20, 21 anos de idade e, pronto, foi a escolha que eu fiz, na minha adolescência e então pronto lá fiquei no mato a resistir contra a ocupação militar da Indonésia, até ao fim da guerra", recordou.

Um período difícil em que Timor-Leste, sublinha, viveu uma "experiência única, muito diferente da experiência da guerra de libertação" de países como Angola, Moçambique ou Guiné-Bissau, que tinham tido alguma formação de quadros ou até a preparação de jovens para a resistência à presença colonial.

Jovem na altura em que os partidos políticos começaram a dar os seus primeiros passos, Lu-Olo recorda os debates dentro do Comité Central da Fretilin onde "já estavam a falar da independência de Timor-Leste e que era melhor que Timor-Leste ficasse independente, a gerir o seu próprio destino".

"Eu, como era jovem e apesar de não ter experiencia política, fiquei inspirado com aquilo que eles diziam na altura. E pronto isso ajudou-me bastante na escolha da minha vida, da resistência contra a ocupação militar indonésia", afirmou.

Depois da guerra, relembra, sobravam pouco mais de uma centena de guerrilheiros que tinham lutado desde 1975 até 1999, motivo pelo qual considera "um engano", um "erro" haver dezenas de milhares de pessoas que hoje, em Timor-Leste, recebem pensões de veteranos.

"Se tivéssemos esse número de veteranos na resistência armada tínhamos escorraçado os indonésios em metade do dia, não precisávamos de 24 anos para resistir contra a ocupação militar indonésia", afirmou.

"Portanto, essas pessoas que receberam medalhas, que estão a recebendo pensões, algumas são verdadeiras, poucas são verdadeiras. Muitas são pessoas falsas e isso está a gerar um problema", disse, considerando que é uma política que "menospreza os verdadeiros veteranos".

ASP // EL

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