Macau, China, 07 jun (Lusa) - Já foram maioria, mas hoje poucos portugueses têm voz ativa na política de Macau. A ascendência não é, só por si, entrave, mas há que conquistar a confiança dos chineses, que até podem ver corações, mas antes veem caras.

João Manuel Costa Antunes é o único português, chegado de Portugal, que ainda detém um cargo de direção. Esteve mais de duas décadas à frente da pasta do Turismo, que se tornou central para o território, cargo que abandonou em 2012, ficando como coordenador do Grande Prémio de Macau.

"Tive de me alterar completamente. Infelizmente não leio chinês e não percebo muito. Tive que me apetrechar com pessoas que me ajudaram na comunicação. Nunca tive problemas de maior por não falar chinês, mas é preciso ser rápido na perceção da comunicação", conta, em entrevista à agência Lusa.

Para garantir um certo apoio popular, ainda que para um cargo não eleito, é preciso "mostrar que não se está a fazer um frete" e, nesse sentido, Costa Antunes recorda um momento que considera determinante para a sua permanência em Macau.

Em 1998, o então governador Rocha Vieira convidou-o para coordenar a cerimónia da transferência no ano seguinte, um desafio aliciante que aceitou com uma condição: "Sou quadro da administração portuguesa, em Portugal. Só posso fazer o trabalho de coordenação se mudar para quadro da administração de Macau. Não me posso ir embora no mesmo avião que o senhor governador. Ninguém vai acreditar em mim. Como é possível ter a confiança de todos os que cá estão se quem vai tratar de um período tão importante se vai embora?"

Este diálogo, que ainda hoje lembra com emoção, marcou a sua relação com o território, de onde não pensou mais sair.

Costa Antunes diz-se pragmático e considera que não faz sentido ambicionar a renovação dessa presença, em parte devido a uma certa falta de compromisso que as novas gerações de portugueses têm com Macau.

"A administração não pode correr o risco de alguém dizer 'Dói-me a perna, vou-me embora'. É preciso criar uma plataforma, uma base crítica, estável. Terão lugar como quadros qualificados mas não como lugares de responsabilidade político-administrativa. É óbvio", conclui.

Na Assembleia Legislativa não há já nenhum português natural de Portugal, mas há ainda dois macaenses, bilingues. Leonel Alves é o mais antigo deputado do hemiciclo e assistiu à passagem de um cenário predominantemente português para um chinês.

Tal como Costa Antunes, Alves considera pouco provável um regresso dos portugueses à política local.

"Antigamente os portugueses não tinham um sentimento de expatriado tão grande. Muitas pessoas que vieram depois de 1999, já vieram como emigrantes. Não se tinha essa noção, o português quando cá vinha na década de 1970 e 1980 era como se fosse a um bairro qualquer de Portugal", lembra.

Agora veem a sua passagem por Macau como temporária e "é por isso que não compram casa e compram carros com o volante à esquerda". "Têm esse tipo de mentalidade de emigrante. Traduzindo isto em termos de participação politica, não estou a ver que um emigrante se sinta à-vontade para gastar o seu tempo com a causa pública", comenta.

Na autoproclamada oposição, dentro da Assembleia, uma voz eleva-se, em português, acima das outras: José Pereira Coutinho é deputado desde 2005 e o mais próximo que Macau tem a um sindicalista.

Filho da terra, não hesita em dizer que a sua herança lhe traz vantagens: "Ser português ajuda. A comunidade chinesa vê em mim uma pessoa que não está conotada com a troca de favores com o Governo chinês. Duvidam sempre do que está por trás de um deputado de nacionalidade chinesa".

Coutinho só coloca a hipótese de abdicar da nacionalidade se um dia viesse a ser eleito chefe do executivo - cargo para o qual é obrigatório ser chinês.

No entanto, admite que a portugalidade não trouxe só vantagens: "Uma das minhas grandes batalhas foi não estar conotado com a função pública e a comunidade portuguesa. Levou algum tempo para merecer a confiança dos chineses".

Um português, diz, tem que saber estar com os chineses como se fosse um deles e para isso é incontornável o conhecimento do cantonês: "Exige um domínio forte do cantonês (...) Como é que se pode ter a confiança das pessoas se não se comunica com elas?"

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