Desde 30 de abril contam-se 27 mortes no bairro no Mulundo, comuna da Funda, afetando crianças entre os nove e os 12 anos, depois de febres altas e dores abdominais, num quadro clínico que se agrava "muito rapidamente", até à morte, aparentemente mais grave do que a malária comum, descreve a população.

A última dessas mortes, conforme a Lusa constatou hoje numa visita ao bairro, aconteceu durante a madrugada, perante a crítica dos familiares à falta de assistência médica atempada.

Maria Cristina carregou o neto às costas, durante a noite, para centro de saúde, com febre alta e os "olhos amarelados". Teve ainda de percorrer quilómetros para comprar medicamentos para levar ao hospital.

"Depois nem me deixaram entrar com os medicamentos e a criança estava lá dentro bem mal", contou, amargurada, a avó, que viu o rapaz de três anos morrer pouco tempo após chegar no hospital, numa situação de anemia grave, provocada pela malária.

Como a Lusa constatou no interior do bairro, ainda decorre uma investigação, com recolha de amostras de água e outros elementos, além de desinfestação das casas e despiste da população também à febre amarela, dengue e chikungunya, mas oficialmente a direção provincial de saúde de Luanda garante ser um surto de malária.

Pelas ruas em terra batida do Mulundo, onde vivem mais de 27 mil pessoas em casas improvisadas com blocos e chapas, estão agora montadas tendas médicas, para testes rápidos, vacinação e distribuição à população de medicamentos e redes mosquiteiras.

Logo na primeira hora, os técnicos da equipa da saúde pública e vigilância epidemiológica, incluindo especialistas cubanos, detetaram hoje mais 12 casos positivos de malária, em trinta análises realizadas.

Evaristo Epalanga, coordenador do bairro, diz que às 27 mortes oficiais ainda se somam pelo menos outras quatro, crianças que já não morreram na comuna.

Explica que a água que se serve à população é feita num chafariz improvisado na rua principal e não é tratada há mais de três anos, por falta de desinfetante. Também o posto médico do Mulundo ficou fechado em julho de 2012.

"O empreiteiro recebeu alguma percentagem do dinheiro para a reabilitação do posto e abandonou a obra. O que nos ajuda é uma clinica privada que temos cá, mas temos de pagar. Até para a cama temos que dar contribuição. Alguns moradores ficam em casa porque não têm dinheiro", explica Evaristo Epalanga.

A água parada das chuvas das últimas semanas, que forma pequenas lagoas, e aquela que a população guarda dentro de casa, para consumo próprio, são um meio propício à propagação da malária, provocada pela picada de um mosquito e principal causa de morte em Angola.

"O centro de saúde é muito longe do bairro. Se acontecer à noite, é um problema muito sério, não nos conseguimos deslocar. O tempo que vamos no caminho, a criança perde a força", conta, desgostoso, Augusto Valente, que também não conseguiu salvar o neto, de seis anos, vítima da malária no Mulundo.

Problemas que a diretora municipal de Saúde de Cacuaco, Catarina Uatanha, reconhece, até porque Luanda, e aquele município "em particular" está a "sofrer um surto de malária", depois de uma forte época das chuvas.

Só no primeiro trimestre de 2015 já se registaram mais de 188 mil casos de malária em Luanda, com 400 óbitos hospitalares.

"As lagoas [águas paradas das chuvas] facilitaram a multiplicação das larvas e dos vetores. Já esperávamos, de alguma maneira, que fosse acontecer um aumento significativo de casos de malária", explicou.

A responsável da saúde garantiu que todas as crianças que morreram no hospital, neste surto do bairro no Mulundo, "têm um boletim de óbito de malária". Para 887 mil habitantes, Cacuaco tem apenas 19 unidades de saúde públicas, das quais cinco centros de saúde e um hospital municipal. Uma rede que Catarina Uatanha admite ser "insuficiente".

"Temos projetos em carteira para construção de novas unidades sanitárias. Mas não se resolve tudo num só dia", rematou.

PVJ // EL

Lusa/Fim