"O nosso objetivo principal é investigar como foi o processo comercial suaíli na região, analisando as influências culturais que os povos autóctones sofreram", disse à Lusa Marisa Ruiz-Galvez, investigadora espanhola e líder da equipa, que apresentou recentemente uma conferência sobre arte rupestre africana em Maputo.

Antes da presença dos portugueses no século XV, por volta do século VI, a zona costeira do território moçambicano, principalmente no norte do país, foi palco do comércio mercantil árabe, que se iniciou com chegada dos primeiros navegadores estrangeiros, vindos maioritariamente da Ásia.

De acordo com os pesquisadores, a escolha de Moçambique para a pesquisa está relacionada com o facto de o país ser pouco explorado ao nível de estudos arqueológicos, principalmente no que diz respeito ao comércio suaíli na zona norte.

"Seria muito interessante percebermos como funcionavam as sociedades indígenas, tanto na costa como no interior, e, tendo em conta que estas especificidades nunca foram estudadas em Moçambique, achamos que é um campo muito fértil para ser explorado", acrescentou Jorge Torres, também pesquisador e catalogador de arte rupestre africana no British Museum de Londres.

Os primeiros comerciantes árabes que chegaram a Moçambique traziam panos, vidros, missangas, sal e objetos de metal e, em troca, os povos da região devam-lhes ouro, óleo de palma, cornos de rinocerontes, pele de animais e marfim, num contacto que legou aos povos autóctones hábitos, culturas e crenças religiosas proveniente do mundo árabe.

"Nós queremos perceber se o contacto entre os povos locais e os povos comerciantes fez com que os povos locais salvaguardassem os seus valores étnicos ou, pelo contrário, perdessem os mesmos", reiterou o Vítor Manuel Fernández, outro integrante da Equipa da Universidade Complutense de Madrid e que trabalha em África há mais de 20 anos em pesquisas arqueológicas.

As pesquisas preliminares feitas por arqueólogos locais indicam que existem elementos importantes nas zonas costeiras do norte de Moçambique e que podem ser explorados, entretanto, segundo Jorge Torres, é preciso que haja uma boa gestão de expectativas, na medida em que a área ainda não foi profundamente pesquisada.

"Antes de mais, se realmente existem tais artefactos, precisamos saber de que período são, porque nós estamos interessados principalmente no primeiro milénio e no processo de formação dessas sociedades", afirmou Jorge Torres, lembrando que um arqueólogo nunca sabe, especificamente, o que vai encontrar

Numa primeira fase, com apoio de arqueólogos moçambicanos da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), a equipa fará o reconhecimento do local, como forma de familiarizar-se com o campo de estudo, e, num segundo momento, nos próximos meses, os pesquisadores voltarão para iniciar as pesquisas.

"África tem um enorme potencial arqueológico e é precisa sejam feitos mais trabalhos do género, como forma a explora este potencial", enalteceu Vítor Manuel Fernández, apontando para a expansão bantu, movimento de povos africanos dos rios Benue-Cross, no sueste da Nigéria, em direção à zona austral de África durante três milénios, e o império Monomotapa, entre 1430 e 1760, como marcos importantes para estudos arqueológicos.

"Diferente do que se pensa no estrangeiro, as sociedades africanas são povos muito complexos e com uma diversidade cultural muito forte, o que enriquece os estudos arqueológicos", salientou Marisa Ruiz-Galvez, destacando, a título de exemplo, o Império Marave, formado entre 1200 à 1400 nas proximidades do rio Zambeze e que dissolveu-se, entre vários fatores, com a penetração mercantil portuguesa no vale do Zambeze, a partir do século XVI.

"Eu trabalhei na etiópia durante 15 anos e depois passei pelo Sudão por mais 20 anos e as pessoas lá fora não têm ideia da complexidade e da variedade dos povos africanos. Eles pensam que é simplesmente uma única áfrica, mas isso não é verdade", reiterou Vítor Manuel Fernández

Iniciativas similares, destacam os pesquisadores, são, por muitas vezes, condicionadas pela falta de financiamento, na medida em que, além dos gastos com as deslocações, exigem muito a nível da logística.

O projeto, desenvolvida em cooperação com a UEM e com o apoio do Governo moçambicano, tem um prazo de três anos e vai ser financiado pelo Governo de Madrid, através do Ministério de Economia e Competitividade.

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