Ode to the family

O problema demográfico faz, a prazo, perigar a sustentabilidade da segurança social. Agora que a espuma dos dias nos entretém menos, há que agir sobre o assunto.

Esta semana, o panorama musical ficou mais pobre, com a morte de Dolores O’Riordan. Na minha adolescência, os The Cranberries foram a coisa mais parecida que tive com uma banda de culto. O seu álbum de estreia era daqueles que ouvia do princípio ao fim. Lembro-me dele muitas vezes, sobretudo porque “Everybody Else Is Doing It, So Why Can’t We?” é um argumento frequentemente apresentado para justificar que se faça alguma coisa. Um óptimo álbum, um péssimo argumento.

A estreia de Supernanny, no passado Domingo, ilustra bem o ponto. Afinal, o programa, que é uma criação inglesa, foi exibido em mais de duas dezenas de países, a maioria deles da OCDE, e sempre com grande sucesso: portanto, porque não haveria a SIC de seguir o exemplo?! Talvez porque o exemplo, apesar de repetido, era mau. Eu não vi o episódio, mas creio ser relativamente fácil achar um reality show com crianças uma má ideia. Quem necessita de pensamento de outrem para ter o seu próprio podia ter lido o relatório das Nações Unidas escrito em 2008 onde se revela preocupação com a protecção da privacidade infantil.

Não vi o programa, mas espreitei o respectivo site. Na secção de vídeos, há um que tem por título “Patrícia perdeu o controlo da educação da filha”. Também não o vi, mas a Patrícia parece-me uma sinédoque da parentalidade. Em Esparta, chegadas aos sete anos, os filhos eram retirados à família, para que o Estado os educasse. Soa uma violência, mas, pensando bem, não é muito diferente do que se passa no Portugal do século XXI.

Por cá, as licenças de maternidade e paternidade, conjugadas na versão maximizadora de tempo, são de seis meses, abaixo da média da União Europeia e da da OCDE. Uma vez terminado este período, muitos pais vêem-se obrigados a entregar a educação dos seus filhos a creches e a convencerem-se de que a primeira palavra dos seus rebentos lhes foi dirigida. (Talvez por isso depois os mantenham em casa até aos trinta, para compensar a ausência dos primeiros anos).

Segundo o inquérito à fecundidade, conduzido pelo Instituto Nacional de Estatística e pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, é a vontade de ver os filhos crescer e desenvolver-se que leva homens e mulheres a quererem ser pais. E, em média, os portugueses tencionavam ter 2,3 descendentes. Mas, em Portugal, a prole que se deseja é mais numerosa que a que se espera vir a ter; e a que se tem é ainda menor que esta. A mais baixa taxa de fecundidade da Europa – 1,3 filhos por mulher – serve para cumprir a máxima, se também se plantar uma árvore e se escrever um livro, mas não chega para substituir gerações.

Vale a pena olhar para a actual pirâmide etária portuguesa, perceber que só por tradição mantemos o nome do sólido geométrico e reflectir sobre o impacto que terá sobre o índice de dependência de idosos. Mesmo que nos abstraiamos da questão da realização pessoal, o problema demográfico faz, a prazo, perigar a sustentabilidade da segurança social. Agora que a espuma dos dias nos entretém menos, há que agir sobre o assunto.

As propostas de amizade de Portugal pelas crianças e pelas famílias têm consistido, sobretudo, em usar a fiscalidade para promover a natalidade e ter mais creches abertas mais dias mais horas. O assunto é muito complexo, com factores biológicos e sociais a cruzarem-se, e, obviamente, a questão do rendimento não é, de modo algum, irrelevante. Mas, se tempo é dinheiro, não cometamos o erro de lógica de deduzir que dinheiro é tempo. Não precisamos de supernannies. E não é justo que exijamos aos pais e mães que sejam super-homens e super-mulheres. Mas temos de lhes dar tempo para brincar aos super-heróis com os filhos.

Nota: Vera Gouveia Barros escreve segundo a ortografia anterior ao acordo de 1990.

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