Dinheiro grátis: A Finlândia já testou. E Portugal, pode estar a caminho?

Este mês, o primeiro projeto-piloto europeu a testar o Rendimento Básico Incondicional celebra um ano. O modelo secular está em voga em todo o mundo. Em Portugal, também já gera discussão e críticas.

E se, todos os meses, chegasse ao seu bolso um rendimento fixo, incondicional e em troca de… nada? A ideia de um Rendimento Básico Incondicional (RBI) tem mais de cinco séculos de existência e não só sobreviveu ao teste do tempo como também conquistou um novo vigor, no último ano. Este mês, o primeiro projeto-piloto europeu a testar este modelo celebra um ano. Em Portugal, a semente também já foi lançada, com o PAN a propor a sua implementação em Cascais, a Assembleia da República a acolher um congresso sobre a questão e o Partido Socialista a debater os contornos do conceito, na próxima semana.

Rendimento Básico Incondicional é uma ideia antiga que está atualmente em voga, e já chegou a Portugal.Fotomontagem: Ana Moreira

“Todos os cidadãos recebem um montante fixo de dinheiro de forma incondicional, que é acumulado com outros rendimentos. À partida, é um pagamento irrevogável”, explica ao ECO Gonçalo Marcelo, da Associação Rendimento Básico Incondicional – Portugal (RBIP). “Este é um debate que tem feito caminho noutros países e já foi objeto de um congresso em Portugal, no mês de setembro. Agora, o que nós pretendemos fazer é lançar o debate na sociedade“, sublinha Wanda Guimarães, deputada socialista e responsável pela abertura do evento que o partido organiza, no próximo sábado, dia 27 de janeiro, em torno deste tema.

Em 2017, a Finlândia consagrou-se o primeiro país europeu a experimentar o esquema referido, atribuindo a dois mil dos seus cidadãos (todos eles desempregados) 560 euros por mês. Em França, Benoit Hamon, candidato presidencial, usou esta medida como principal plataforma eleitoral e a OCDE considerou “positivos” estes primeiros testes, já que o atual sistema de proteção social “está a ficar obsoleto”. Apesar do recente mediatismo, o RBI goza de uma história já longa.

Se mantermos tudo como está, no sistema de proteção social, a desigualdade piorará. A alternativa é redesenhamos essas políticas com medidas como o RBI.

Gonçalo Marcelo

RBIP

Uma ideia com raízes profundas

Na Utopia de Thomas Moore, o navegador Rafael Hitlodeu explica ao arcebispo da Cantuária que garantir um rendimento mínimo aos pobres seria uma ideia muito mais eficaz para combater o roubo do que sentenciar os ladrões à morte. Foi, contudo, o seu amigo Johannes Vives a esclarecer ao detalhe o argumento subjacente ao modelo que viria a ser conhecido como RBI. Segundo o humanista, o dever do município é garantir a subsistência dos seus residentes, não por justiça, mas para que o princípio obrigatório da caridade seja cumprido.

Quase cinco séculos depois, porquê a manter a mesma ideia? “O desemprego tecnológico tenderá a aumentar e com isso crescerá a desigualdade. Mais: muitas profissões ficarão obsoletas, o que poderá gerar muita pressão sobre o sistema da Segurança Social”, adianta ao ECO Francisco Guerreiro, do PAN que, nas eleições autárquicas do ano passado, sugeriu a implementação de um projeto-piloto deste tipo em Cascais.

Além disso, segundo o representante da RBIP, este pagamento seria feito a muitas pessoas que, atualmente, apesar de precisarem de ajuda, não a recebem, por vergonha, estigma ou simplesmente por não cumprirem estritamente os requisitos do sistema. Marcelo avança também que, a longo prazo, a inversão da pirâmide demográfica na qual assenta a Segurança Social levará à procura de alternativas como esta. A aplicação do Rendimento Básico Incondicional permitiria, por outro lado, eliminar a burocracia ligada, nos dias de hoje, aos subsídios sociais, realça a mesma associação.

Ambos os defensores do RBI, deixam claro que esse projeto teria, contudo, de ser um pilar do Estado Social e não um substituto para ele, como advogam alguns ativistas e receiam alguns críticos.

Há vários modelos previstos para o financiamento do RBI.Pixabay

Todos recebem, todos pagam

Todos os meses, dois mil finlandeses têm visto cair nas suas contas 560 euros, livres de condições ou exigências. Nesse país, o Rendimento Básico Incondicional é, até ao final de 2018 (ano em que termina o projeto-piloto), assegurado pelos fundos da Segurança Social, mas esse não é o único modelo de financiamento.

Em Portugal, segundo conclui Ricardo Arroja, cada cidadão receberia 280 euros mensais (montante ajustado ao rendimento per capita). Se o RBI fosse pago doze vezes a todos os portugueses, o custo total da medida rondaria os 34 mil milhões de euros por ano, o que representa quase 20% do PIB nacional. Como suportar a despesa?

“Cortando os subsídios dados a indústrias altamente poluentes, como a da agropecuária, acedendo a fundos comunitários e apostando numa maior fiscalização da economia paralela”, começa Francisco Guerreiro. O político argumenta ainda que o RBI acabaria por substituir o subsídio de desemprego e o rendimento social de inserção, aliviando a pressão colocada sobre a Segurança Social.

Já Gonçalo Martelo propõe que o financiamento ou passaria por uma reforma fiscal (aumentar o número de escalões do IRS, aumentar o IVA, criar novas taxas) complementada pelo fim das prestações não contributivas ou através de um eurodividendo — conceito utilizado pelo economista Philip Van Parijs que consiste na entrega a nível europeu do rendimento básico

O antigo ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis — também ele defensor do RBI — apresenta, ainda, uma outra alternativa para financiar a medida: um imposto sobre o capital.

“Vamos avançar com a sugestão do projeto-piloto, em Cascais, quando as condições políticas estiverem reunidas”.

Francisco Guerreiro

PAN

Cascais pisca o olho ao RBI

Há doze meses que a Finlândia está a testar o Rendimento Básico Incondicional. Os resultados oficiais ainda não são conhecidos, mas as primeiras notícias dão conta da diminuição do stress dos participantes do projeto, bem como do aumento dos incentivos à procura de trabalho e ao empreendedorismo.

Em Portugal, Francisco Guerreiro quer replicar o ensaio, mas garante que quando o fizer — confirma, portanto, que os dois deputados municipais que o PAN conquistou na autarquia de Cascais vão mesmo lutar pela implementação desta medida — quer alterar as premissas. “Não queremos incluir só desempregados, para podermos realmente aferir o impacto sociológico”, esclarece o político.

O concelho de Cascais, diz Guerreiro, seria o sítio ideal para introduzir o RBI em Portugal, já que, apesar de ser visto como um concelho “rico e favorecido”, tem “muitas disfunções sociais e económicas”. Além disso, dispõe de um “orçamento municipal significativo”.

PAN defende o teste do RBI, mas também há quem critique o modelo.

RBI? Não tão depressa

Ricardo Arroja chama ao Rendimento Básico Incondicional um “oximoro ideológico”, já que atrai interesses de ambos os extremos do espetro político.

Na Finlândia, o projeto-piloto foi implantado pelo centro-direita e criticado duramente por um dos maiores sindicatos nacionais (representa 1/5 da população), considerando-o um “modelo impossivelmente caro” e prevendo o aumento do défice, caso seja aplicado à escala global.

Em Portugal, para a esquerda, o grande atrativo desta medida está na sua natureza inclusiva, mas o argumento de que pode, na verdade, ser uma estratégia encapotada da direita para delapidar a Segurança Social tem dado azo a dissidentes: Francisco Louçã é, por isso mesmo, um dos maiores críticos do RBI. “[O RBI] reduz os rendimentos dos desempregados, abate os salários, poupa nas pensões e anula as despesas públicas com a saúde e educação. O mercado, portanto, ganha em todos os campos”, escreve o histórico bloquista, no blog Tudo menos economia.

Na base desta objeção está a conclusão de que acabará por não haver dinheiro para tudo e, portanto, a perda de apoios e serviços sociais é inevitável. Louçã chama-lhe “prometer o céu de graça”.

Segurança Social à parte, há também quem acuse o RBI de promover a preguiça, de levar os cidadãos a desistirem de procurar trabalho, de pressionar os salários, de cortar os horários de trabalho. Por cá, esses e outros obstáculos serão discutidos, no próximo ano, num congresso, no qual participará o Centro de Ética, Política e Sociedade da Universidade do Minho em parceria com o UBI-Lab da Universidade de Stanford e a Hoover Chair da Universidade Católica de Lovaina.

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