COTEC: “A Europa não tem um sistema financeiro adequado ao crescimento rápido das empresas”

A transformação digital vai destruir empregos, mas representa uma "enorme oportunidade para a Europa". Uma entrevista conjunta dos presidentes da Cotec Portugal, Espanha e Itália, no ECO24.

A digitalização da economia vai mudar totalmente a forma como se trabalha. Mas a tendência não vai apenas destruir os empregos. Em entrevista ao programa ECO24, do ECO e da TVI24, os presidentes das COTEC de Portugal, Espanha e Itália estão alinhados e reconhecem que o fenómeno representa uma “enorme oportunidade para a Europa”. A entrevista inclui ainda alertas de que o sistema de ensino não está a preparar bem as novas gerações para o futuro que as espera e que é necessária uma mudança no mercado de capitais europeu, para que as tecnológicas europeias possam ter mais acesso a capital e poderem crescer de forma mais célere.

“As transformações estão a acontecer. Isto tem a ver com a digitalização, tem a ver com a inteligência artificial, tem a ver com a transformação radical do modo de trabalhar na indústria e nos serviços”, começou por explicar Francisco de Lacerda, presidente da COTEC Portugal, que foi anfitriã da edição deste ano da cimeira COTEC Europa, que decorreu esta quarta-feira no Convento de Mafra. Por isso, o gestor reconhece: “Vai ter consequências para tarefas, postos de trabalho e para a qualificação da pessoas. Todos estes sistemas têm de ser bem tratados para que todos estejam dentro dos benefícios desta revolução, com o mínimo de dificuldade de adaptação que uma disrupção deste género provoca sempre.”

A pergunta da sociedade é sempre a mesma. Vai a automatização das funções, com tecnologias de ponta no campo da robótica, destruir os empregos que atualmente existem? Sim, em parte. Para o presidente da COTEC Portugal, isso acontecerá em “tarefas de menor valor acrescentado, de índole mais administrativa ou mais de manufatura”. Mas isso também representa uma oportunidade, sobretudo para a Europa como um todo, que tem o caminho aberto para liderar terceira fase de transformação no mundo. Chamam-lhe a Indústria 4.0.

"[A transformação digital] vai ter consequências para tarefas, postos de trabalho e para a qualificação da pessoas.”

Francisco de Lacerda

Presidente da COTEC Portugal

Um novo paradigma económico e empresarial que é explicado pelo presidente da COTEC Itália, Luigi Nicolais, da seguinte forma: “A Indústria 4.0 olha para uma pessoa não pela sua força física mas pela sua capacidade mental de poder criar, inovar e pensar. A inovação na Europa é a chave da competitividade”, disse no ECO24. “É uma mudança total”, rematou.

O programa ECO24 desta quinta-feira foi gravado à margem da cimeira COTEC Europa, que decorreu no Convento de Mafra esta quarta-feira.Paula Nunes / ECO

A Indústria 4.0 olha para uma pessoa não pela sua força física mas pela sua capacidade mental de poder criar, inovar e pensar. A inovação na Europa é a chave da competitividade.

Luigi Nicolais

Presidente da COTEC Itália

Do lado Europeu, para os três presidentes entrevistados esta quinta-feira, a oportunidade é clara. “A Europa é só 7% da população mundial, mas produz 30% da ciência a nível mundial”, afirmou Cristina Garmendia, presidente da COTEC Espanha. “É uma grande oportunidade para a Europa. Produz uma ciência que é clara para a competitividade das empresas e deve ser a chave para os líderes das empresas”, disse. E sublinhou: “A digitalização não é um fim em si mesmo. É uma ferramenta que nos transforma a vida, mas é uma ferramenta que vai transformar a agricultura, a energia, a saúde, o meio ambiente. É a digitalização da nossa vida.” É por isso que, para Cristina Garmendia, se uma empresa não se adaptar, “simplesmente não sobreviverá”.

“Temos um ponto de partida muito importante: temos o melhor comissário de ciência e inovação que a Europa já teve”, disse a presidente da COTEC Espanha, num elogio a Carlos Moedas, que discursou também na conferência desta quarta-feira. “É uma vantagem. Quero dizer que, se podíamos em algum momento, é agora com este comissário. Carlos Moedas tem uma aproximação muito brilhante e muito eficiente e focado na ação, não no desafio ou no diagnóstico”, desenvolveu.

Os presidentes das três COTEC também alinharam na ideia de que a mudança de mentalidades e de paradigma é também uma matéria de políticas públicas. Questionada sobre o facto de a maioria do capital de risco ser atribuído a empresas em locais como Silicon Valley e Nova Iorque, nos Estados Unidos, Cristina Garmendia reconheceu e explicou: “É um dos problemas que a Europa tem. A Europa não tem um ecossistema, um sistema financeiro adequado para promover o crescimento rápido das empresas. Digo-o em primeira linha. É toda uma dificuldade, toda uma barreira.”

Segundo a presidente da COTEC Espanha, é este o motivo que leva muitas empresas europeias a darem o salto para o norte da América: “França compete. Mas quando as empresas crescem mais, há que dar o salto para os Estados Unidos.” E vai mais longe: “Em tecnologia, o mercado de capitais é o Nasdaq. Não temos um Nasdaq na Europa. E não podemos não ter um Nasdaq na Europa. Tem de permitir que uma empresa capitalize e levante uma operação de 500, 600 ou 700 milhões. A Europa não tem tamanho para as empresas tecnológicas. Esse salto das empresas para os EUA, sendo europeias, e financiando a investigação e desenvolvimento com esforço fiscal de todos os europeus, é simplesmente ineficiente.”

Desta forma, Cristina Garmendia dá uma dica: o sistema financeiro de hoje deveria dar mais valor aos ativos intangíveis das empresas, algo ainda mais relevante em contexto tecnológico. “O sistema financeiro de hoje, mesmo que queira, não pode dar crédito [com base nos] intangíveis das empresas. Vale numa empresa o edifício, as máquinas, as infraestruturas e pouco mais. Pede-se um crédito ao banco, e o que vale? O edifício”, disse. Para a presidente, “não é o edifício que vale numa empresa”. “O que vale são os intangíveis. Há que revolucionar o sistema financeiro e alongar a atribuição de crédito aos ativos intangíveis das empresas. Assim está a fazer Singapura, que aceita as patentes como colateral bancário, como garantia”, informou.

Da esquerda para a direita: Cristina Garmendia (COTEC Espanha), Francisco de Lacerda (COTEC Portugal) e Luigi Nicolais (COTEC Itália).Paula Nunes / ECO

É um dos problemas que a Europa tem. A Europa não tem um ecossistema, um sistema financeiro adequado para promover o crescimento rápido das empresas. Digo-o em primeira linha. É toda uma dificuldade, toda uma barreira.

Cristina Garmendia

Presidente da COTEC Espanha

Cristina Garmendia alinhou ainda com a ideia deixada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no discurso final na conferência COTEC Europa, no Convento de Mafra, esta quarta-feira, ao dizer que “não é possível querer ter uma indústria 4.0 com sistemas políticos 2.0 ou 3.0”. Sobre essa afirmação, a presidente da COTEC Espanha frisou: “Falta política 4.0. Isto não é só ciência, não é agricultura, não é energia. É uma forma distinta de trabalhar. Temos uma grande oportunidade, os europeus, para liderar muitas dos grandes desafios globais. Temos capacidade. O mais difícil já temos. Mas temos de trabalhar de uma forma distinta.”

Nesta entrevista a três no programa ECO24, Francisco de Lacerda, presidente da COTEC Portugal, apontou ainda: “Temos de estar bastante atentos. O desenvolvimento do mercado de capitais europeu é muito relevante.” E acrescentou: “Há aí alguma coisa em que as políticas públicas podem apoiar. O nosso objetivo enquanto europeus e enquanto estes três países COTEC é promover que a Europa ganhe para si própria. Há uma presença global.”

Francisco de Lacerda, também presidente dos CTT, deixou ainda uma nota final, onde encara o potencial de aprofundar as desigualdades sociais que esta transformação social poderá ter “Temos de trabalhar em como é que a repartição dos benefícios é distribuída, de uma forma que seja mais razoável, porque se não o conseguirmos fazer, as extensões extremam-se e isso é mau para todos.” Assim, concluiu: “Esse é um desafio grande, é um desafio ambicioso e tem que ser resolvido a um nível no mínimo europeu.”

  • Paula Nunes
  • Fotojornalista

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