Bissau, 30 mar (Lusa) - A pequena Tagara acorda quase sempre pelas 06:30. Aparenta ter menos de 24 meses e dorme num colchão no canto de um quarto de família, no bairro de Quelelé, em Bissau. Mas esta nunca poderá ser a sua casa, nem esta a sua família.

Tagara é um animal em vias de extinção, um chimpanzé fêmea do Parque Nacional das Florestas de Cantanhez, no sul da Guiné-Bissau. Está a viver temporariamente na casa do funcionário do Instituto da Biodiversidade e Áreas Protegidas (IBAP) que a resgatou: Inácio Tavares encontrou-a numa aldeia remota do sul, em casa de um suspeito de tráfico de animais selvagens.

Um chimpanzé como Tagara "pode valer 300 mil francos CFA [cerca de 460 euros]. Equivale ao rendimento de um ano para algumas famílias guineenses", explica Rui Sá, docente da Universidade Lusófona de Bissau e investigador da Universidade de Coimbra em Antropologia Biológica que se tem dedicado ao estudo de chimpanzés.

Ninguém sabe ao certo quantos são tirados do habitat natural na Guiné-Bissau, mas a nível mundial as Nações Unidas estimam que 3.000 grandes símios sejam traficados por ano (dados de 2013) a partir das florestas de África e do Sudeste Asiático.

Segundo os mesmos dados, dos 22 mil grandes símios capturados desde 2005, 64% eram chimpanzés que acabaram vendidos, mortos em caçadas ou em cativeiro.

Tagara é nome de um tipo de árvore de grande porte, daquelas em que a cria devia estar a aprender a fazer ninhos com a mãe, mas em vez disso vive o dia-a-dia com um casal e cinco filhos cheios de boa vontade, à falta de estruturas para receber animais selvagens em risco.

Com pouco mais que meio metro de altura, a chimpanzé caminha livremente pela casa de Inácio e pela rua, mas ao fim de algum tempo procura sempre o colo de alguém -- como faria com a mãe, explica Rui Sá.

Em duas semanas, Tagara já está integrada nos horários e hábitos da família: para além das bananas, come pão, arroz e às vezes doces.

Os filhos levavam-na para brincar na rua e quando passa pelas redondezas já todos a conhecem como sendo mais uma vizinha.

"O espaço dela não é aqui, mas já que cá está e é querida por todos, não queremos deixar ela ir embora", conta Joceline Camará, que mora na porta em frente à de Inácio e pela qual Tagara já entrava com grande à vontade.

A chimpanzé acabou mesmo por regressar a Cantanhez, onde continua dependente de humanos, mas agora sujeita a um plano de desabituação do convívio com pessoas -- assim como de quarentena, para verificar que não desenvolve nenhuma doença infeciosa.

Nestas florestas estima-se que restem, "na melhor das hipóteses", entre 150 a 200 chimpanzés a viver livremente, um número com tendência para diminuir face às ameaças externas, aponta Rui Sá, que ali fez o trabalho de investigação uma tese de doutoramento.

Tagara é um entre "centenas de animais selvagens protegidos" retirados do habitat na Guiné-Bissau, apesar de haver legislação que criminaliza a prática, refere Queba Quecuta, diretor do Parque Natural de Cantanhez.

Para combater a situação, tem sido reforçada a colaboração com as autoridades que estão no terreno, como a Guarda Nacional, tanto nas aldeias como em Bissau, assinala o diretor, mas faltam recursos, como em quase todos os serviços públicos.

Mais vigilância precisa-se e Queba Quecuta e Rui Sá defendem também a criação de um centro de acolhimento para animais em risco, como a Tagara, para que depois de resgatados possam ficar num local que facilite a futura reintegração no habitat.

Depois de meses a viver numa aldeia com o homem que supostamente a ia vender, passou mais três semanas com funcionários e colaboradores do IBAP.

Agora, Queba Quecuta leva-a todos os dias a passar algumas horas na floresta: se tudo correr como planeado, essas horas serão cada vez mais, Tagara vai começar a subir às árvores, alimentar-se de folhas e tudo o mais que a floresta dá.

O primeiro encontro com um grupo de chimpanzés que seja considerado compatível será feito de forma controlada, mas ainda vai demorar várias semanas ou meses até acontecer.

Do que se observa, adivinha-se que o processo seguirá um ritmo bem mais lento que o tráfico de animais que a densa floresta de Cantanhez esconde, apesar de haver leis e de haver quem as tente implementar no terreno.

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