Uma estrutura "de grande dimensão", com "excessivos níveis hierárquicos e inúmeros cargos de chefia" justifica boa parte da crise em que se encontra a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML). É a própria Provedora agora exonerada que identifica o peso excessivo do pessoal nas contas da instituição como um dos problemas da SCML. No Plano de Atividades e Orçamento publicado no ano passado, Ana Jorge fala mesmo num défice de tesouraria estimado para 2023 na ordem dos 25 milhões de euros, com "necessidade de reforço de 55 a 65 milhões para satisfazer compromissos inadiáveis, nomeadamente despesas com pessoal", que representam 63% das receitas totais da SCML, "limitando fortemente os recursos a afetar a atividades de missão estatutária".

Reconhecendo o sobredimensionamento nomeadamente nos cargos de chefia e a inadequação de pagamento de horas extraordinárias e compensações por isenção de horário e outros benefícios, propunha-se a Provedora adequar as remunerações e reduzir efetivos. Bem como "conceber e implantar um Sistema de Planeamento e Controlo Integrado" das atividades da Santa Casa. E devido à "necessidade premente de enfrentar a situação crítica diagnosticada em junho", adiantava como prioridade essencial a definição e implantação de medidas e ação urgentes para mitigar e evitar os riscos reputacionais e financeiros".

Exclusivo: Santa Casa estava a ser gerida "consoante as vontades do dia a dia

No mesmo documento, fazem-se contas a um total de 281 dirigentes, a que se somam 107 diretores e mais 102 cargos de chefia direta. A que se somam as comissões de serviço, num total que se fixava em 540 cargos dirigentes em novembro, reduzido para 523 em março deste ano. Aos cargos dirigentes, pela tabela em vigor, são pagos salários brutos mensais que variam entre os 2.322,97 euros de um diretor de núcleo com vínculo público ou contrato (na direção de informática, o valor mínimo é superior a 2.800) e os 6083,97 euros brutos mensais auferidos por um diretor no primeiro escalão, que incluem 5.033 euros de salário base e mais 1.050 pagos em despesas de representação.

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Alguns destes cargos de chefia, note-se, são cabeças de gabinete de outras direções, essas sim com equipas atribuídas. Na Direção de Gestão Comercial, por exemplo, conta-se um diretor e um subdiretor, acima de outros nove diretores e dois coordenadores de núcleos de trabalho.

Mas não são apenas os salários que contribuem para desbaratar 63% das receitas totais da Santa Casa. Se é verdade que no orçamento apresentado por Ana Jorge se previa aumentar em mais de 24% o bolo devido aos órgãos sociais da instituição, adjudicando-se mais de 600 mil euros para pagar aos administradores neste ano, outros gastos remuneratórios pesam ainda mais nas contas.

De acordo com o mesmo documento, só em isenções de horário, a Provedora contava gastar 780 mil euros, aos quais se soma perto de um milhão para pagar horas extra, ajudas de custo e gratificações. Em subsídios de turno, Ana Jorge antecipava gastar mais de 2,5 milhões de euros neste ano.

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De acordo com as contas da instituição, a Santa Casa gastou quase 120 milhões de euros em salários de cerca de 6 mil funcionários em 2022 (últimas contas disponíveis no site), que sobem a 150 milhões quando se incluem outros gastos com pessoal, como prémios e encargos com remunerações.